Ligas nacionais precisam de mata-mata?

Uma das principais discussões no esporte é a disputa entre pontos corridos e mata-mata: qual o melhor formato? No Brasil, esse assunto é grande, e na Europa mais ainda.

Nottingham Forest
Foto: ACTION IMAGES VIA REUTERS/ANDREW BOYERS

Assim como qualquer outra coisa nesse mundo, o futebol evolui. Não só o jogo, as disputas, as noções técnicas e táticas, mas também a disposição das partidas, os campeonatos e os confrontos. Porém, as ligas nacionais são praticamente imaculáveis, desde o princípio. Na Europa, essa realidade perdura há muito mais tempo, desde o século retrasado. No Brasil, apenas no XXI que tivemos uma consolidação desse modelo tão clássico.

Entretanto, por aqui, ainda existe discussões sobre a necessidade de voltar com os mata-matas. Sempre teve. Mas na Europa, esse assunto cresce e cresce a cada ano, em um lugar que não havia nenhuma intenção de existir esse modelo. A realidade de alguns países mostra que o mata-mata, ou como eles falam, "playoffs", pode ser a solução para alguns campeonatos.

O maior e mais chamativo exemplo é o da Bundesliga. O tradicional campeonato nacional da Alemanha vive uma hegemonia enorme do Bayern de Munique. Diferente de outras hegemonias recentes nas grandes ligas (Juventus, na Itália; Manchester City, Inglaterra), a equipe da Bavária não encontra nenhum outro adversário à altura - diferente do que acontecia na Itália e do que acontece na Inglaterra. O maior dos candidatos, Borussia Dortmund, não consegue chegar nem perto do mesmo nível.

Sem falar nos outros campeonatos europeus que ficam mais escondidos da grande mídia, mas possuem hegemonias enormes. Na Escócia, Celtic segurou nove anos, perdeu para o Rangers no ano passado e voltou a vencer em 2022; na Bulgária, Ludogorets carrega uma sequência de dez títulos; e no Chipre, o APOEL ficou com sete títulos na última década.

A realidade é que essas dominâncias em alguns países trazem a discussão dos playoffs para a mente dos torcedores. Apesar da valorização desses títulos em sequência, há uma noção de que os campeonatos ficam chatos, e nessa necessidade de transformar as ligas nacionais em produtos, para conseguir mais e mais dinheiro, hegemonias não são bem-vindas. Portanto, o mata-mata em ligas nacionais surgem com esse propósito, mas influenciada por outros exemplos de sucesso.

O sucesso das ligas americanas

Golden State Warriors
Foto: Thearon W. Henderson/AFP

Quem acompanha as ligas americanas sabe muito bem da importância dos playoffs. Neste exato momento, está se passando a NBA Finals, que nada mais é do que a consolidação dos playoffs e da liga como um todo. É algo completamente enraizado na cultura dos torcedores estadunidenses. Para eles, não existe essa ideia de "pontos corridos".

Mesmo como algo muito específico da cultura americana, esse modelo de disputa toca numa cultura mundial: o dinheiro. Seja dólar, euros, libras, reais ou até iene, quando o dinheiro cresce, não tem ninguém que não olhe com bons olhos. E nesse modelo de playoffs, os jogos ficam ainda mais interessantes e emocionantes, ou seja, mais vendas, ingressos caros e mais dinheiro das televisões.

O sucesso desse modelo é fato. Não à toa, a liga de maior valor do mundo é a NFL, futebol americano, um esporte que está crescendo mundialmente, mas é extremamente nichado e de mercado estadunidense. Na sequência, MLB e NBA aparecem, ligas de esportes mais mundiais, mas com um apelo muito maior dos Estados Unidos. Só depois dessas três que aparece uma de futebol, a Premier League. Portanto, esse modelo é algo que poderia alavancar qualquer liga.

Os playoffs existentes no futebol

Não só de playoffs americanos vivem o mundo. No futebol, temos exemplos de mata-mata de sucesso também, incluindo em ligas nacionais, e dinâmicas interessantes. Antes de mais nada, vale também ressaltar os playoffs de competições mata-mata. A nossa popular "Pré-Libertadores" nada mais é do que um playoff, assim como acontece na Champions League. Contudo, não são os melhores exemplos do futebol, que tem campeonatos decididos nesses modelos e dinâmicas criativas.

MLS

Foto: Site oficial Sporting KC

Obviamente, a liga americana de futebol não seguiria as regras do futebol mundial, mas, sim, a da própria cultura. Portanto, todo fim de temporada regular da MLS, têm os playoffs, chamados de MLS Cup, que são bastante semelhantes com o das outras ligas do país, com exceção da série de jogos.

Curiosamente, de 2017 a 2021, todos os campeões não se repetiram, apenas o Seattle Sounders venceu em 2016 e 2019. Além disso, a última time que teve títulos em sequência foi o Los Angeles Galaxy de 2011 e 2012. Esse modelo certamente equilibra muito a competição, porque dificilmente o campeão se repete, principalmente com jogos únicos, decididos em pênaltis em caso de empate.

Championship

Foto: Site oficial da EFL


Recentemente, o Nottingham Forest derrotou o Huddersfield Town por 1 a 0 e carimbou sua vaga na Premier League após 23 anos. Os playoffs de acesso da Championship são praticamente unanimidade: todos gostam. Definitivamente, é uma ideia muito interessante para manter o máximo de equipes engajadas na competição até o final. Às vezes, uma equipe na metade da tabela ainda consegue brigar por vaga nos playoffs nas últimas rodadas.

Apesar de premiar os dois primeiros com o acesso direto para a elite do futebol inglês, os 3º e 4º precisam lutar e mostrar porque chegaram nessas posições mais altas. Contudo, é bastante comum essas equipes não conseguirem se classificar, por conta do fator sorte. Elas definitivamente foram as melhores da liga, mas mesmo assim não subiram... A ideia de playoffs também pode ser cruel.

Rebaixamentos na Europa

Foto: Boris Streubel/Bundesliga/DFL via Getty Images

Bastante parecida com a ideia dos playoffs da Championship, na Europa é comum colocarem o antepenúltimo para enfrentar o 3º colocado da 2ª divisão - se caírem e subirem quatro, obviamente é o 17º contra o 4º. Apesar dessa regra existir em alguns países da Europa, são na Alemanha e na França que essa dinâmica é mais vista e conhecida.

Neste ano, tivemos um confronto de primeira categoria (apesar da situação) entre Hamburgo, 3º colocado da Bundesliga 2, contra Hertha Berlim, 18º da Bundesliga. Mesmo com a vitória fora de casa no primeiro jogo, o Hamburgo tomou 2 a 0 dentro de casa, na volta, e perdeu a chance de retomar à elite do futebol alemão. Na França, o grande Saint-Étiennie empatou com o Auxerre duas vezes, mas perdeu nos pênaltis e caiu para 2ª divisão. Em seguida, os torcedores invadiram o gramado para bater nos jogadores.

Essa ideia é bastante criticada mundo a fora. Apesar de trazer uma dinâmica interessante e curiosa de assistir, na imensa maioria das vezes o time de primeira divisão escapa, até por isso que o rebaixamento do maior campeão francês foi uma surpresa tremenda: raramente acontece. Mesmo assim, trata-se de playoff e busca movimentar o futebol nacional e internacional de alguma forma.

Copas

Foto: Michael Regan/Fifa/Getty Images 

Esse é facilmente o maior exemplo e menos perceptível. Copas são playoffs por inteiro. A ideia de pontos corridos x mata-mata é, na verdade, uma grande disputa entre copa x liga, pelo menos no Brasil. De uma maneira geral, as copas, sejam elas internacionais ou nacionais, possuem esse fator mais ligado à sorte do que a qualidade em geral. Óbvio que o vencedor tem um mérito, isso é inegável e fato. Mas há um consenso de que a equipe que ganha o Brasileirão, por exemplo, é mais forte que o campeão da Copa do Brasil.

Os melhores exemplos dessa "sorte" são alguns campeões de copas: Paulista, Juventude e Santo André têm Copa do Brasil. Dois exemplos de alto nível futebolístico aconteceu na Europa: o Real Madrid, atual campeão europeu, não é considerado o melhor time do futebol europeu, assim como o Chelsea também não era na última.

Se as pessoas gostam de falar de justiça dentro do futebol, as copas não são a forma de competição preferida delas. Pois, existem muitos outros fatores além da qualidade, principalmente o aleatório e o lúdico do esporte, que podem transformar qualquer realidade. Em pontos corridos, geralmente, o campeão precisa ser bom por um longo espaço de tempo, e quando chega nas rodadas finais, é praticamente incontestável a conquista, porque foi bom durante muito tempo.

A necessidade de mudar o cenário futebolístico

Foto: MICHAEL BUHOLZER/AFP

Como havia dito no início, assim como qualquer outra coisa nesse mundo, o futebol evolui. Isso é fato, e os executivos da FIFA e de grandes Confederações sabem muito bem dessa necessidade de mudar e agradar os presidentes e donos de clubes. Primeiramente, é preciso falar da ideia de Gianni Infantino, presidente da principal organização de futebol do mundo, de colocar a Copa do Mundo a cada dois anos.

Os motivos para essa criação são bastante claros: dinheiro, mas os outros detalhes é uma outra história. A ideia principal é que o futebol permanece nesse ritmo, o qual todos estamos familiarizados há muito tempo, e isso pode deixar tudo muito previsível. A inquietude dos poderosos pode ser o suficiente para desmontar algumas noções que temos do futebol atual, que sabemos exatamente tudo que acontecerá, mas não como ainda.

É necessário nem entrar no assunto da Superliga, que já é bastante nítido por si só a sua ideia de chacoalhar o futebol europeu. Não terá essa competição (até então), mas a Champions League vai se transformar a partir de 2024. Com a ideia de sistema suíço, onde os mais fortes se enfrentam e os mais fracos, seus semelhantes, a competição mais importante do mundo fez questão de se reestruturar para suprir as necessidades de donos e presidentes, que não estavam contentes no geral.

Em suma, a ideia de mata-mata, ou playoffs, está relacionada à questões financeiras e de mercado. Ninguém quer assistir campeonatos com um campeão já definido praticamente. E nenhum presidente ou dono de clube quer descobrir que está perdendo dinheiro (na verdade, deixando de ganhar ainda mais) com os campeonatos nesses modelos. Por outro lado, apesar de parecer monótono em alguns momentos, os pontos corridos são a melhor opção para muitos. Ou seja, sem nenhum consenso, basta partir para a discussão e análise, assim como foi feito aqui.

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